A prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), após divulgar vídeo com ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e apologia ao Ato Institucional n° 5 (AI-5), completa um mês nesta terça-feira (16/3).
Desde o último domingo (13/3), Silveira deixou o Batalhão Especial Prisional da Polícia Militar do Rio de Janeiro e passou a cumprir prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, responsável por decretar a prisão do deputado.
O parlamentar também poderá voltar a participar das sessões da Câmara dos Deputados, de forma remota. A mesma Câmara, aliás, que manteve por ampla maioria – 364 votos a favor, 130 contra e três abstenções – a prisão dele.
A Constituição Federal estabelece que parlamentares em exercício do mandato só podem ser presos em situações de flagrante delito de crime inafiançável. A prisão precisou ser julgada pelo plenário da Câmara – e foi autorizada.
Durante a sessão de análise da prisão, o deputado pediu desculpas ao Supremo, aos deputados e ao povo brasileiro. “Já me arrependi. Peço desculpas pela minha fala, reconhecendo a importância do Supremo, que é uma instituição muito importante”, disse Silveira, que participou remotamente da prisão.
Contrariado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), articulou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 3/21, apelidada de PEC da Impunidade, como resposta à prisão. O parlamentar tentou imprimir uma tramitação relâmpago e foi alvo de críticas. Recuou e enviou a proposta a comissão especial, onde descansa por um tempo.
Na última terça-feira (9/3), Moraes negou pedido da defesa e manteve o deputado preso até que o plenário da Suprema Corte julgue uma denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Silveira. Ainda não há data para esse julgamento. Moraes, contudo, permitiu a prisão domiciliar no domingo.
Celulares
Como se não bastasse os arroubos nas redes sociais de Silveira, dois celulares foram encontrados com ele na prisão, o que poderá lhe acarretar problemas futuros.
A defesa alegou que ele não foi revistado e, do mesmo jeito que chegou à prisão com os celulares, foi preso. Contudo, um vídeo divulgado pela Polícia Federal mostra o momento em que um assessor entregava os aparelhos ao deputado, desmentindo essa versão.
Conselho de Ética
Além da Justiça, o parlamentar também enfrenta problemas na Câmara. Ao menos dois processos por quebra de decoro parlamentar estão andando no Conselho de Ética da Casa. E uma representação está à espera de análise.
Um dos processos em andamento é devido ao vídeo que acarretou na prisão. Ao menos sete representações foram apresentadas no colegiado contra ele e, por se tratar de assunto único, foram apensadas em um processo.
Há, todavia, uma representação ainda não avaliada, que trata de outro vídeo gravado por Silveira, no qual ele diz ser “um recado para os antifas”.
No vídeo, o deputado xingou pessoas do movimento antifascismo e sugeriu que poderia descarregar a arma em alguém. “Eu estou torcendo para isso. Quem sabe não seja eu o sortudo. Vocês me peguem na rua em um dia muito ruim e eu descarrego minha arma em cima de um filho da p… comunista que tentar me agredir. Vou ter que me defender, não vai ter jeito. E não adianta falar que foi homicídio, foi legítima defesa”, declarou.
Defesa
O advogado do deputado, Jean Cleber Garcia, disse que pretende recorrer da decisão de prisão domiciliar ao pleno do STF, e classificou a decisão do ministro como “desprovida de fundamentação idônea”.
“Os argumentos utilizados pelo nobre ministro da Suprema Corte, condutor dos inquéritos que recaem sobre o deputado Daniel Silveira, não guardam relação com o objeto primevo da prisão levada a termo ao arrepio do Comando Constitucional e normas legais”, afirmou Garcia, em nota.
“O constrangimento ilegal decorrente da manutenção da prisão do deputado, agora na modalidade domiciliar, será objeto de pedido de reforma pelo Pleno da Corte Superior, para que seja restabelecida a segurança jurídica e respeitada a Constituição Federal, bem como os pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário e a lei de regência processual penal, que prestigiam a liberdade, tatuando excepcionalidade a qualquer tipo de prisão antes de formada a culpa.”
Prisão controversa
Os especialistas entrevistados pelo Metrópoles avaliaram a prisão de Silveira como controversa.
“Eu acho que o parlamentar exorbitou os limites da liberdade material, da liberdade de manifestação. Acho que há a necessidade de buscar a responsabilidade dele, mas a prisão foi indevida. A Constituição não estabelece prisão do parlamentar, salvo por flagrante de crime inafiançável”, avalia a professora de direito constitucional Flávia Bahia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A professora de direito processual penal Ana Cristina Mendonça, da Universidade Cândido Mendes, também destacou que Silveira só poderia ser preso em flagrante por crime inafiançável, o que não ocorreu.
“Não há dúvida de que existe ofensas a honra dos ministros. Difamação e injúria estão bem marcadas nas postagens, mas esses crimes não estão entre os inafiançáveis”, acrescenta.
Ana Cristina explica outro aspecto questionável: o da “concessão do estado de flagrância”. Segundo a professora, Silveira praticou a infração quando postou o vídeo, mas o ministro Alexandre de Moraes considerou que era um crime permanente. “A permanência do vídeo não transforma um crime não permanente em permanente”, disse ela. “É uma prisão muito questionável.”
“Ele [Silveira] teve a prisão decretada e mantida, sem que houvesse requerimento do órgão de acusação”, analisou. Isso caberia ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que só ofereceu denúncia posteriormente.