As atitudes do presidente Jair Bolsonaro (PSL) em resposta aos incêndios na Amazônia terão consequências nas relações externas do Brasil. Ainda é cedo para se avaliar a dimensão do desgaste sofrido pelo país, mas o tratamento dado pelo capitão às questões ambientais provoca choques desnecessários com outros governos.
O embate mais rumoroso se deu com o presidente da França, Emmanuel Macron, transformado de uma hora para outra em adversário dos interesses brasileiros. Para Bolsonaro, o líder francês cumpre o papel de inimigo externo, elemento essencial para a sustentação da retórica agressiva nas relações internacionais.
Vale ressaltar a diferença entre o comportamento do governo atual e um episódio de repercussão semelhante ocorrido no passado. Em 2005, a missionária norte-americana Dorothy Stang foi assassinada no município de Anapu (PA), em decorrência de sua luta contra a grilagem de terra na região.
Por ordem do então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, o Exército montou uma operação de guerra, com centenas de homens, carros e helicópteros, para capturar os assassinos. Em poucos dias, os executores estavam na cadeia.
A reação imediata teve o objetivo de estancar as pressões externas para interferência na Amazônia. Na época, a preocupação era com os norte-americanos. Nos manuais militares brasileiros, antes de invadir um país, os Estados Unidos cumprem mais de uma dezena de etapas.
Uma dessas fases é uma campanha internacional contra a nação a ser ocupada. A outra é o surgimento de um fato que, em tese, justifique a mobilização de tropas. O assassinato de Dorothy e o incêndio na floresta, por exemplo, poderiam ser usados como motivo para uma invasão.
No episódio atual, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é aliado de Bolsonaro e, portanto, não tem o perfil de inimigo adequado para esse tipo de circunstância. Macron encarna melhor esse papel.
Macron defende os agricultores franceses, concorrentes dos brasileiros, e faz discurso para agradar seu público interno, boa parte insatisfeita com o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Ao ver o fogo devastar a floresta, encontrou um mote para ganhar popularidade junto ao seu eleitorado.
Mas o presidente da França somente se encorajou a subir o tom contra o Brasil porque, nos quase oito meses de governo, Bolsonaro se mostrou, no mínimo, negligente com o meio ambiente – em especial, com a Amazônia. Entre outros gestos, o capitão rechaçou os levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e retirou apoio para a fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A postura do capitão e as evidências de aumento do desmatamento na região Norte fragilizaram o Brasil junto a líderes estrangeiros. Embora Macron não tenha obtido sucesso na tentativa de arrastar outros países na ameaça de romper o acordo Mercosul-UE, Bolsonaro se expôs como um presidente imaturo, que reage por impulso diante de situações adversas.
O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, afirmou na abertura da reunião do G7 – grupo de países ricos, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido – que é “difícil imaginar” o acordo intercontinental depois dos atos do governo brasileiro diante dos incêndios florestais.
Nesse aspecto, deve-se lembrar que nas primeiras declarações sobre o fogo na Amazônia, Bolsonaro insinuou, sem provas, que a responsabilidade pela queima da mata seria de Organizações Não-Governamentais (ONGs). Até então, o presidente brasileiro parecia imaginar que estancaria o fogo no grito.
Diante da repercussão negativa, representantes do agronegócio mandaram sinais para o Palácio do Planalto de que o confronto com parceiros comerciais tem potencial para trazer prejuízos para os produtores. A pressão desse setor e avanço das labaredas fizerem o governo rever a postura. Uma das medidas foi o início de uma investigação da Polícia Federal sobre a autoria dos incêndios.
Essa mudança de comportamento influenciou na contenção dos ânimos na reunião do G7. Assim, o agronegócio espera que, como em queimadas anteriores, a gritaria externa pouco afete as exportações brasileiras.
Se, por um lado, não se pode ainda mensurar os efeitos da diplomacia errática do governo, por outro, parece que o Brasil nada tem a ganhar com um presidente que age sem responsabilidade em relação à Amazônia – como ficou evidente na acusação contra as ONGs.