O aplicativo TrateCOV, lançado pelo Ministério da Saúde para orientar o enfrentamento da Covid-19, recomenda o que chama de “tratamento precoce” a pacientes que podem ter sido ou não infectados pela doença.
Entre a lista de remédios estão substâncias como cloroquina, azitromicina e ivermectina — nenhuma delas teve a eficácia comprovada no tratamento da Covid-19. A recomendação do aplicativo do ministério para tratamentos de Covid-19 com esses medicamentos foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
A plataforma, que só pode ser usada por médicos ou enfermeiros, sugere os medicamentos para qualquer soma de dois sintomas, ainda que o paciente não tenha tido contato com algum infectado nos últimos 14 dias.
A indicação de uso de cloroquina e antibiótico poderá ser receitada até mesmo a um recém-nascido com diarreia e fadiga. O aplicativo recolhe dados do paciente como idade, peso, altura e comorbidades. A idade, no entanto, não interfere na pontuação de “gravidade” apresentada pelo sistema.
Caso o médico não recomende o “tratamento precoce” ao paciente, deverá justificar entre as opções: “recusa do paciente”, “contraindicação médica”, ou ainda “falta do medicamento”. Veja:
O que diz o Ministério da Saúde
De acordo com o Ministério da Saúde, o aplicativo foi criado “para auxiliar os profissionais de saúde na coleta de sintomas e sinais de pacientes visando aprimorar e agilizar os diagnósticos da Covid-19”.
Segundo a pasta, “a plataforma traz ao médico cadastrado um ponto a ponto da doença, guiado por rigorosos critérios clínicos, que ajudam a diagnosticar os pacientes com mais rapidez. Depois disso, o TrateCOV sugere algumas opções terapêuticas disponíveis na literatura científica atualizada, sugerindo a prescrição de medicamentos”. A nota, no entanto, não entra em detalhes sobre qual seria essa “literatura científica atualizada”.
Inicialmente, o produto está sendo testado em Manaus. Mais de 340 profissionais de saúde foram cadastrados no aplicativo.
Mudança de discurso
Durante coletiva nesta semana, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, adotou um tom diferente do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que defende o uso de medicamentos sem comprovação científica contra a Covid-19, como a cloroquina.
“Temos divulgado desde junho o atendimento precoce. Não confundam atendimento precoce com que remédio tomar. Não coloquem isso errado. Nós incentivamos e orientamos que a pessoa doente procure imediatamente um médico. Que o médico faça o diagnóstico. Esse é o atendimento precoce. Que remédios vai prescrever, isso é foro íntimo do médico. O ministério não tem protocolos com isso, não é missão do ministério definir protocolo”, afirmou.
“Atendimento é uma coisa, tratamento é outra. Como leigos, às vezes falamos o nome errado. Mas temos que saber exatamente o que queremos dizer: atendimento precoce”, complementou mais adiante.
Na ocasião, o ministro ainda afirmou que o Ministério da Saúde jamais assinou protocolos indicando medicamentos no tratamento contra a Covid-19. O general do Exército foi enfático ao dizer que “nunca” indicou qualquer medicamento à população.
Em maio no ano passado, no entanto, o Ministério da Saúde divulgou uma nota informativa com orientações da pasta para “manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19”.
Entre as substâncias citadas pela pasta estão: difosfato de cloroquina, sulfato de hidroxicloroquina e azitromicina – todas sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. O documento, atualizado em agosto e assinado por secretários da pasta, pode ser acessado aqui.
“Eu nunca, nunca indiquei medicamentos a ninguém. Nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos. […] Eu estou sendo bastante enfático nisso, porque eu não gostaria que ficasse a ideia errada”, disse Pazuello durante coletiva no Palácio do Planalto.
No mesmo dia, antes da declaração de Pazuello, o próprio presidente falou em “tratamento precoce” ao comentar a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o uso emergencial de duas vacinas contra a doença.
“Não desisto do tratamento precoce, não desisto, tá? A vacina é pra quem não pegou ainda. E essa vacina é 50% de eficácia, ou seja, jogar uma moedinha pra cima, é 50% de eficácia”, disse o presidente. A dicção de Bolsonaro, entretanto, não deixa claro se é “desisto” ou “desistam”.