Coronavírus e o espirro do pó da desigualdade

Entre o perrengue engraçado da classe média confinada e o suspense do atchim de quem é obrigado a sair para as ruas

atualizado 18/03/2020 10:41

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Batuco aqui esta crônica com Irene, 3 anos, pendurada no pescoço e pedindo vídeos da Peppa Pig. Ossos do ofício de um avohai – avô e pai – na “quarentena” do coronavírus. Divido a tela com a filha e vamos nessa. Em outro cômodo, a mamãe Larissa produz uma arte gráfica, um lambe-lambe de um clube de leitura enquanto joga o clássico “buraco” com Teodoro, 12, o outro filho. Que azar, o videogame deu defeito logo agora. Tudo bem, viva o velho baralho e também o dominó.

E essa é apenas mais uma cena banal e igual a tantas outras relatadas por personagens de classe média nesse momento em que o lar doce lar virou um refúgio que mistura escritório e acampamento. Está acontecendo na minha Vila Pompeia, em São Paulo, ou em Botafogo, no Rio, para citar as duas cidades mais afetadas até agora.

Até Irene sabe, mesmo estranhando o fato de não poder brincar com as coleguinhas da escola, que nosso sacrifício é nada diante de quem, a essa altura, é obrigado a pegar um Penha/Lapa, entre atchins e valha-me Deus, no suspense de que possa estar infectado ao chegar ao destino. Diaristas, motoristas, camelôs, vigilantes e toda uma legião de clandestinos e avulsos.

Até Irene sabe que o moço do Uber, que tantas vezes a leva nos parques da cidade, também não poderá dividir com os filhos a tela do GPS e da Peppa Pig ou da Patrulha Canina. O moço precisa ficar na rua pelo menos umas 12 horas diárias. Assim garante uma boa grana para os donos do aplicativo (uns playboys aplicados que nunca precisaram sair de casa mesmo) e o mínimo para que a sua família sobreviva lá na vila Tolstói, na zona leste paulistana.

Até Irene sabe que, no dia em que a terra parou – como canta o Raul –, o precariado, sobretudo os trabalhadores que levaram uma facada nas costas da Reforma Trabalhista, não tiveram outra opção. A não ser o suspense de estar contaminado pela poeira da desigualdade que segue a encobrir o país como em uma cena de faroeste caboclo.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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