Certa vez, acompanhava um depoimento da atriz Beatriz Segall no Senado Federal. Ela defendia, à época, que o Ministério da Cultura criasse uma Secretaria Nacional do Teatro, projeto que não foi em frente. No meio da conversa, a intérprete falou da importância de Brasília em sua carreira de intérprete e fez um aparte.
O Teatro Nacional de Brasília tem uma das piores acústicas do mundo. Quem o construiu podia entender de arquitetura, mas não sabia nada sobre a projeção de voz de um intérprete
Beatriz Segall
Quando Beatriz Segall, uma das damas do teatro brasileiro, reclamou dessa falha de nascença, o Teatro Nacional já estava em frangalhos, com escorpiões sob o carpete, ácaros em toda parte, mofo e poltronas dilaceradas.
Empregos
Não quero mais contar os dias em que estamos sem o Teatro Nacional Claudio Santoro, as suas duas salas principais (Martins Pena e Villa-Lobos). De imediato, podemos imaginar quantos espetáculos de grande porte deixaram de vir para a capital federal do país, por não ter um espaço cênico adequado.
Sim, porque qualquer grande produtor quer colocar Brasília na rota das temporadas. Afinal, temos, no Plano Piloto, público capaz de pagar ingressos acima de R$ 100 com certa tranquilidade.
Quantos empregos diretos e indiretos não foram gerados em torno dos grandes shows? Produtores, artistas locais, técnicos e funções de postos administrativos deixaram de ser contratados em torno da potente indústria da economia criativa, em Brasília minguada e com ares de província.
Governo nefasto
O prejuízo é do tamanho da incompetência de sucessivos governos. O mais nefasto deles: o de Agnelo Queiroz (PT), que gastou valores estratosféricos na construção do novo Mané Garrincha, hoje na mira da Operação Lava Jato, por suspeita de desvio de dinheiro público.
O Teatro Nacional fechado é um baque para uma capital federal, que deveria ser um grande centro captador de cultura. Uma rasteira para uma cidade que, apesar de Patrimônio Imaterial da Humanidade, tem uma vocação pífia para o turismo.
Imagino o grau de frustração dos turistas que vão visitar o monumento de Oscar Niemeyer em diálogo com artistas como Athos Bulcão, Burle Marx e Marianne Peretti. Não há como o turista entrar no monumento, tomar um café num espaço aconchegante, ir ao mezanino.Perdão, isso há muito não se podia fazer.
Aliás, o local virou um perigo aos transeuntes. Á noite, os jardins de Burle Marx estão servindo de banheiro para moradores de rua ou de moita para atividades sexuais. Quando escurece, passar por ali é entregar a vida á sorte, pela total falta de segurança
O secretario de Cultura, Guilherme Reis, tem planos ousados para a gestão do Teatro Nacional. Um deles: o de abrir a Martins Pena para os artistas do DF ocuparem um espaço nobre. O que formaria plateia para as criações locais tão desmerecidas pelo público que tem sede de nomes midiáticos. O que vinha sendo feito com a Orquestra Nacional Claudio Santoro que lotava às terças-feiras. A interrupção desse trabalho é outro item que entra na conta dessa tragédia cultural. Faltam menos de dois anos para a próxima eleição. Será que vai dar tempo?