A coordenadora de graduação no Centro Universitário Iesb, Daniella Goulart, jamais esquecerá o sábado ensolarado de maio em que recebeu uma ligação às 14h. No momento, estava ocupada com seu filho e, por isso, não viu a chamada. Era o telefonema de uma amiga de longa data, que logo em seguida saltaria pela janela de um prédio em direção à morte. “É um sentimento de culpa gigantesco. Até hoje me pego pensando: ‘Como eu não percebi antes?’”, desabafa.
De fato, poucos percebem as intenções de um potencial suicida. Mas uma pesquisa realizada pela Secretaria de Segurança do DF pode ajudar a lançar uma luz sobre o tema, grande tabu na sociedade brasileira. Inédito, o estudo mostra o perfil dos brasilienses que tiraram suas próprias vidas. Engana-se quem pensa que os jovens lideram as estatísticas. No DF, ao contrário de outras unidades da Federação, 42% dos registros tiveram como vítima pessoas com idade entre 35 e 60 anos.A dor é silenciosa e muitas vezes nem mesmo quem sofre entende pelo que está passando. O fator que leva uma pessoa tirar a própria vida é muito mais um estopim do que o problema real.
Psicóloga Marina Kohlsdorf
A pesquisa não analisou os motivos que levam as pessoas a encurtarem suas vidas. Mas entre as principais causas os especialistas destacam a estigmatização social, conflitos sexuais, cobranças excessivas no trabalho e perda grande de status. Sem falar nos fatores econômicos como o desemprego ou endividamento, que trazem aquela sensação de que o indivíduo não consegue mais cuidar dos seus entes mais próximos, principalmente dos filhos.

Plano Piloto lidera
A pesquisa aponta que em 2013, ano em que foi realizada, 131 moradores do DF se mataram. O Plano Piloto lidera o ranking com 22 casos (confira a pesquisa ao lado). O dado reforça que o suicídio extrapola a questão social. “Em Brasília, a pressão econômica é muito grande. As pessoas têm que ter carro, casa própria. Manter um certo status. Isso gera uma cobrança muito grande e nem sempre as pessoas suportam”, explica o psicólogo e professor Carlos Mendes.
O Distrito Federal é a única unidade da Federação a contar com uma política para combater esse tipo de morte. No ano passado, foi lançado pela Secretaria de Saúde do DF o Plano Distrital de Prevenção ao Suicídio. O guia contém 25 ações estratégicas para melhorar os registros na cidade, além de tornar mais conhecidas as medidas que evitam futuras tentativas de suicídio. “Para nós, quanto mais claro for o problema mais fácil será combatê-lo”, diz Beatriz Montenegro, coordenadora do projeto.
Dor para quem fica
Roberto (nome fictício) sentiu como poucos a dor que os familiares sentem ao lidar com a morte de alguém nessas condições. Ele já havia perdido um tio e um primo da mesma maneira quando, em 2012, seu sobrinho tirou a vida com uma arma de fogo. No DF, 13% das pessoas se matam dessa forma – perdendo somente para o enforcamento, meio escolhido por 54% dos suicidas da cidades.
Seu sobrinho trabalhava como segurança e muitos de seus colegas tinham um quadro crônico de depressão, o que deve ter contribuído para seu ato final. Como acontece na maioria dos casos, Roberto e seus familiares nem imaginavam este cenário até a data da tragédia. “Ele era tranquilo e não falava muito sobre seu cotidiano. Nós também não perguntávamos”, diz. Após o fato, a família decidiu se reunir periodicamente e ter a certeza que um não vai deixar o outro se isolar em sua própria tristeza.
Ouvir e respeitar
Para Leila Herédia, voluntária no Centro de Valorização da Vida (CVV), o melhor caminho para impedir que uma pessoa se torne em potencial suicida é ouvi-la e respeitar a sua dor. “Somos treinados para nos colocarmos no lugar do outro e não julgá-los”, explica. E afirma que agindo dessa forma, é perceptível como as pessoas se afastam de seus tristes pensamentos. Com quase 2.200 voluntários ativos, o CVV busca dar apoio moral 24 horas por dia.
São diversos os canais de atendimento que o CVV oferece. O mais tradicional deles é o telefone (141), no qual atendem cerca de um milhão de chamadas por ano. Há também a versão on-line (e-mail ou Skype) e, em 20 estados, pode-se optar pelo atendimento pessoal. Em Brasília, a instituição funciona no Setor de Rádio e TV Norte, quadra 702, edifício Rádio Center, sala 5.
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, 97% dos casos de suicídio envolvem pessoas com algum tipo de transtorno mental. “E em pelo menos 90% dessas situações é possível recorrer a alguma forma de tratamento”, conclui Antônio Geraldo da Silva, presidente da instituição. Assim, pode-se afirmar que depressão, esquizofrenia e uso de drogas ilícitas são problemas comuns em potenciais suicidas.
Fique atento
Abaixo, as três características que os potenciais suicidas possuem quando estão próximos de cometer o ato, que devem ser superados sempre com o apoio de um profissional da saúde, segundo o manual Prevenção ao Suicídio:
- Ambivalência: Quase sempre essas pessoas querem alcançar a morte, mas também viver. Se for dado apoio emocional e o desejo de viver aumentar, o risco de suicídio diminuirá.
- Impulsividade: Como qualquer outro, o impulso de cometer suicídio pode ser transitório e durar alguns minutos ou horas. Acalmando tal crise e ganhando tempo, o profissional da saúde pode ajudar a diminuir o risco suicida.
- Rigidez/constrição: A consciência da pessoa passa a funcionar de forma dicotômica: tudo ou nada. Os pensamentos, os sentimentos e as ações estão constritos, quer dizer, constantemente pensam sobre suicídio como única solução e não são capazes de perceber outras maneiras de sair do problema. Análoga a esta condição é a “visão em túnel”, que representa o estreitamento das opções disponíveis de muitos indivíduos em vias de se matar.
Foto: iStock