Sexo, drogas e PCC
Máfia chinesa se alia ao PCC na droga do sexo e usa hotéis e fintechs
Com estadas de quatro horas para casais apressados, suítes com hidromassagens e experiências românticas com pétalas de rosas e champagne, o Hotel Lido Plaza, no bairro da Liberdade, região central de São Paulo, parece mais um motel. Nas portas dos quartos, há uma tabela de preços para aluguel de brinquedos sexuais e venda de lubrificantes. No mezanino acima da portaria, loiras, morenas e ruivas se maquiam acomodadas em sofás, ao som de música techno. Por lá, elas têm passe livre e prestam serviços que vão além do sexo.
O Lido e outros hotéis semelhantes estão no mapa do tráfico de drogas da máfia chinesa. Áudios obtidos pela Polícia Civil paulista mostram que algumas dessas prostitutas que entram e saem das suítes estão associadas aos criminosos e realizam a entrega das drogas usadas para apimentar as festinhas nos quartos. A preferida das orgias é a metanfetamina, substância psicoativa sintética que provoca uma sensação de euforia intensa e aumento da libido, combustível perfeito para o chamado “chemsex”, sexo químico em inglês.
Em dezembro passado, 280 policiais foram às ruas para cumprir 60 mandados de prisão em uma ofensiva do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) contra uma máfia envolvida na produção e venda de metanfetamina, popularmente conhecida como cristal ou gelo. Entre os alvos, havia 32 chineses que administravam a logística de entrega da droga em hotéis da capital paulista. A operação foi batizada de Heisenberg, inspirada no codinome do protagonista da famosa série de TV Breaking Bad, na qual um professor de química vira cozinheiro de metanfetamina após ser diagnosticado com câncer no pulmão e acaba se tornando um temido traficante.

Uma incursão do Metrópoles no submundo do tráfico dessa ramificação da máfia chinesa revela que o esquema continua, sob comando de foragidos da Justiça que se escondem nesses hotéis. A reportagem conversou com integrantes da quadrilha e rastreou o caminho do dinheiro da droga, que passa por fintechs — uma delas na região da Faria Lima, centro financeiro do país — e pelos cofres do Primeiro Comando da Capital (PCC), evidenciando uma parceria entre mafiosos chineses e a maior facção do Brasil.
Como funciona a entrega de metanfetamina em SP
A droga, que costumava ser importada, passou a ser produzida por uma quadrilha de traficantes chineses, mexicanos e nigerianos em São Paulo. Com isso, houve um grande aumento na produção e o consequente barateamento do produto, que passou de R$ 500 para cerca de R$ 70 o grama.
A metanfetamina é uma droga que dá uma sensação de onipotência e aflora a percepção de prazer. Conhecida como cristal ou gelo, a substância sintética passou a ser usada no sexo, prática conhecida como chemsex (“sexo químico”, em tradução livre).
Os pedidos são feitos via WhatsApp e outros aplicativos de mensagem. Por meio de motoboys contratados mediante plataformas de entrega, a metanfetamina é distribuída aos clientes em hotéis no centro de São Paulo e em boates disfarçadas de mansões em bairros ricos, como Jardins.
Os valores obtidos por meio do tráfico são movimentados por fintechs – uma delas na Faria Lima, coração do mercado financeiro. Parte dos lucros é direcionada à facção criminosa Primeiro Comando da Capital.




Delivery do cristal
Na tarde do dia 24 de janeiro, uma sexta-feira, a reportagem alugou um quarto no Hotel Lido Plaza e perguntou a recepcionista como conseguir metanfetamina. A funcionária se esquivou: “Tem gente que usa, mas eu não sei quem traz”. O Metrópoles decidiu, então, contatar o casal Chayanne Sahara Neves, a Chay, e Ci Chen, conhecido como Lucas, a partir de um número telefônico extraído da investigação. Ambos deveriam ter sido presos na Operação Heisenberg, em dezembro, mas conseguiram escapar da polícia. A dupla vive migrando de hotel em hotel e acumula acusações de golpes.
Chen já foi condenado a 1 ano e 8 meses por tráfico após ser flagrado com 434 gramas de metanfetamina em um flat que dividia com Chay. Ela é acusada de dar golpe em uma pessoa para quem vendeu um iPhone e, depois, registrar falsa denúncia na Polícia Civil, na qual alegava que o aparelho havia sido roubado. Ambos realizam transações e trocam mensagens com lideranças do tráfico chinês.
Por meio do WhatsApp, a reportagem negociou a compra de metanfetamina, com o objetivo de mapear a máfia chinesa que seguia atuando em São Paulo. Naquela tarde, chovia torrencialmente e a traficante alertou sobre possível demora para achar um motoboy que levasse a droga até o Lido Plaza. Cobrou R$ 180 por 1 grama da droga e enviou dois códigos de Pix para o pagamento.

Depois, usando outro celular, um chinês procurou a reportagem e pediu o pagamento de mais 1 grama, por R$ 170. A droga não foi enviada naquele dia, mesmo após mais de seis horas de espera.
Na manhã seguinte, o mesmo chinês enviou uma imagem de um saco de metanfetamina para a reportagem e disse que enviaria para outro endereço indicado. Quando o motociclista de aplicativo estava a caminho do local combinado, o traficante tentou empurrar a compra de 10 gramas no total, por mais R$ 1 mil. A reportagem recusou. “Amigo, se você não pegar, o motoqueiro não volta. Ele não sabe o que tem no pacote”, insistiu o traficante. O motoboy, que vinha do Hotel Caribe, na Barra Funda, chegou ao local combinado e a reportagem não compareceu ao encontro. Ele desistiu e foi embora. Em seguida, o traficante alegou ter perdido 10 gramas e pressionou a reportagem para que o prejuízo fosse ressarcido. “10 gramas. Como é que vai ficar?”
Um Pix para o PCC
A mistura de extorsão com tráfico deixou rastros sobre a atuação dessa ramificação da máfia chinesa, visto que revelou o endereço da operação, situada em um hotel, e expôs os destinatários das transações via Pix para a compra da droga. O dinheiro transferido para a compra de 1 grama de metanfetamina por indicação do traficante chinês foi parar em uma conta na fintech Cloudwalk IP, dona da InfinitePay, empresa que fornece máquinas de cartão de crédito. Ela é autorizada como instituição de pagamento e tem sede na região da Faria Lima.
O titular da conta é Ivan Rodrigues Ferreira, foragido da Justiça e acusado de ser um braço de Leonardo Moja, o Leo do Moinho, líder do PCC responsável por abastecer a Cracolândia.
Com passagens por porte ilegal de armas, adulteração de sinal identificador e porte de drogas, Ivan foi um dos alvos da Operação Salut et Dignitas, deflagrada em agosto de 2024, contra os chefões do PCC no centro de São Paulo.
O inquérito do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público (MPSP), revelou que o PCC usava laranjas para dominar hotéis da região, onde usuários recebiam as drogas. De acordo com os promotores, na favela do Moinho, onde Ivan atua, funciona o “verdadeiro quartel-general” do PCC na Cracolândia, como um centro de abastecimento de drogas e de comando do território. Grampos mostram que Ivan adotou um nome falso para falar ao telefone e indicam, segundo investigadores, que ele atua na área de desmanches ilegais da facção.
Até o fechamento desta reportagem, a Cloudwalk, dona da InfinitePay, não havia se manifestado. Após a publicação, a empresa procurou o Metrópoles e afirmou que bloqueou a conta de Ivan Rodrigues Ferreira e a reportou ao Coaf assim que os “sistemas identificaram movimentações atípicas”. Disse, ainda, que não permite que integrantes de organizações criminosas usem seus serviços e que o investigado movimentou apenas R$ 2 mil até o bloqueio, ocorrido no início de fevereiro, pouco tempo depois da transferência feita pela reportagem.
O chefão chinês
Um dos líderes do delivery de metanfetamina em São Paulo, segundo a polícia, é Pikang Dong, de 69 anos. Seus principais clientes encontram-se em hotéis como o da Liberdade, no centro da cidade, onde se pratica o sexo químico. Conhecido como Rodízio, o chinês foi preso em julho de 2024, em um apartamento alugado por compatriotas no centro de São Paulo, onde funcionava um laboratório para fabricar o entorpecente. Ele portava 400 gramas de metanfetamina e foi condenado a 9 anos de prisão. No processo, alegou que não tem relação com o apartamento e que a droga era destinada a consumo próprio.

A denúncia do laboratório veio de um chinês que procurou a Polícia Civil após ter caído em um golpe. Ele disse ter sido atraído por uma “proposta irrecusável” para trabalhar em uma tecelagem, mas, ao desembarcar no Brasil, descobriu que trabalharia mesmo no delivery do tráfico de drogas.
Áudios apreendidos no celular de Pikang Dong revelaram aos investigadores como todo o esquema funcionava. No aparelho, além de contatos e transferências do casal de golpistas e traficantes citados nesta reportagem, eles encontraram conversas do chinês com o mexicano Guillermo Martin Ortiz, de 40 anos.
Máfia da metanfetamina em SP





Breaking Bad real
Na vida real, Ortiz é o Heisenberg da operação policial deflagrada em dezembro, cujo nome foi inspirado na série Breaking Bad. O traficante, que trabalhou como engenheiro químico da estatal petrolífera mexicana Pemex, uma das maiores do mundo, veio ao Brasil para se tornar o maior cozinheiro de metanfetamina do país. Aqui, mudou até de aparência. Deixou de ser o gordo sorridente de cabelo encaracolado para virar um careca musculoso cheio de correntes, que aparece com a cara fechada na foto de sua primeira prisão em flagrante no Brasil, em 2022. Na ocasião, ele foi pego em um motel com 12,5 gramas de metanfetamina, armas e recipientes usados para cozinhar a droga.
Entre as atribuições de Ortiz, que passou a ser conhecido como Fantasma, inclui-se o ensino da produção da metanfetamina a mafiosos chineses e a gangues de outros países. A droga, que exige manuseio profissional de seus componentes, era importada e cara — cada grama custava cerca de R$ 500. Após a chegada do Heisenberg da vida real, o preço caiu para R$ 70. O mexicano foi preso em janeiro de 2025, quando chegava a um flat onde estava escondido em Higienópolis, bairro nobre da região central de São Paulo.

Áudios apreendidos pela polícia mostram negociações de metanfetamina entre o mexicano Ortiz, o chinês Pikang Dong e garotas de programa que auxiliam os traficantes no delivery da droga do sexo químico nos hotéis da capital paulista, bem como na rotina de entregas por meio de motoboys de aplicativo e até em rachas entre os criminosos. Em um deles, Ortiz comentou com Dong que desconfiava de outro traficante chinês, que teria aplicado um golpe na quadrilha e registrado boletim de ocorrência no intuito de prejudicar uma transação para venda de metanfetamina.
“Seu garoto fedorento, você realmente me pediu para confirmar se os mexicanos confirmaram se você deu dinheiro? Ele te devolveu? Você é realmente ultrajante, você acha que me engana? […] Você está com raiva de mim e chama a polícia?”, diz Pikang Dong no áudio.
“Irmão Dong, você não acredita em mim? Venha ver como estou. Parece que menti muito para você. Você está comigo há tanto tempo! Eu conheço o seu ambiente e você conhece o meu ambiente, eu realmente não entendo por que aquele mexicano se comporta assim”, respondeu o outro chinês.
Mansão virou boate
As mensagens de entregas e retiradas de drogas entre traficantes não levaram policiais apenas a hotéis ou muquifos no centro de São Paulo. Um dos alvos de busca e apreensão da operação de dezembro passado foi uma mansão na Rua Holanda, no coração do Jardim Europa, bairro que concentra um dos metros quadrados mais caros da capital. Foi lá que Pikang Dong, certa vez, esperou uma garota de programa de sua confiança entregar 550 gramas de metanfetamina. “Você me dá a mercadoria e eu lhe dou o dinheiro. Simples assim”, diz uma das mensagens do chinês.
A casa é alugada pela chinesa Zheli Xu e seu compatriota Jianfeng Zheng, por R$ 11 mil mensais. Ela foi presa na Operação Heisenberg, porque foram identificadas diversas mensagens sobre a venda de drogas com Pikang Dong. Fontes que trabalham na região afirmaram ao Metrópoles que eles se apresentavam como donos de boxes na região da 25 de Março, famoso endereço de comércio de produtos chineses, no centro da cidade. Eles estão há 12 anos no imóvel, onde já funcionou uma loja de roupas.
Na manhã de 17 de dezembro de 2024, dia em que a operação foi deflagrada, policiais civis entraram pelo portão da garagem da casa, que parecia mais uma residência comum do bairro nobre. Ao abrirem a porta da sala principal, porém, os agentes se depararam com uma boate. Paisagens pintadas na parede, telão de cinema, palco com 13 caixas de som, sofás de veludo vermelho, aparelhos de karaokê e até um poste de pole dance revelavam a verdadeira finalidade do imóvel.
Na mansão, foram apreendidos R$ 20 mil, US$ 13 mil, pistolas, munições e sacos de metanfetamina dentro de um armário. Carros de luxo, como uma Land Rover e uma BMW, também foram confiscados. Balanças e outras ferramentas para produzir e manusear drogas estavam por toda a parte. O casal chinês locatário da casa saiu algemado.
No segundo andar da casa, os policiais encontraram várias mulheres chinesas. Uma delas disse à polícia ter vindo a turismo para o Brasil em dezembro de 2023, e que conseguiu a viagem por meio de um “despachante”, a quem pagou R$ 10 mil. Afirmou que não voltou à China por questões de saúde, que trabalha como vendedora de capinhas de celular e roupas, e que os R$ 20 mil encontrados na busca e apreensão eram fruto de um empréstimo que contraiu da locatária da casa. Outra mulher disse que trabalhava na Feira da Madrugada, no Brás, ganhava R$ 4 mil mensais, e também pagava aluguel para morar no casarão.
Todas negaram ser vítimas de exploração sexual nesses depoimentos, mas a polícia ainda encaminhou o caso à perícia criminal para apurar qual era a situação delas na mansão. Investigadores desconfiam que elas não tenham contado a verdade e suspeitam de que sejam vítimas dos donos e frequentadores da boate.
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