Os aplicativos de transporte de passageiros salvaram as contas de Rafael de Souza, logo após o jovem, de 26 anos, perder o emprego de vigilante. Ao ser desligado da antiga empresa, financiou um carro seminovo e cadastrou-se na Uber e na Cabify. Em setembro de 2017, também passou a rodar pela 99. O novo trabalho chegou a render-lhe R$ 3 mil líquidos por mês, mas os sucessivos reajustes no preço da gasolina no Distrito Federal corroeram seus ganhos. Com uma margem de lucro 50% menor, decidiu abandonar o serviço este ano.
“Ficou inviável. Antes, conseguia tirar o suficiente para manter minhas despesas em dia. Com a gasolina a R$ 4,20 [alguns estabelecimentos cobram mais] e o desgaste maior do carro – pois rodava, em média, 10 mil quilômetros por mês –, reduziu muito minha lucratividade”, lamentou.
Rafael não foi o primeiro motorista de app golpeado pela alta dos combustíveis. Apesar de as empresas se recusarem a fornecer dados de condutores descadastrados, em grupos de WhatsApp multiplicam-se relatos de homens e mulheres que resolveram buscar outras fontes de renda.
Quando começou a rodar nas plataformas, em outubro de 2016, ele chegava a ganhar entre R$ 900 e R$ 1 mil por semana, já descontados todos os gastos com manutenção e gasolina. Nos últimos meses de 2017, os proventos semanais caíram para cerca de R$ 300.
Quando me cadastrei, conseguia abastecer a R$ 2,79. Com R$ 4,20 o litro, sobrava muito pouco para suprir minhas necessidades. Era praticamente pagar para trabalhar.
Pedro Henrique Soares, ex-motorista de Uber

Pequeno alívio
Na última quinta-feira (15/3), os motoristas do DF comemoraram uma leve queda nos preços dos combustíveis. Em alguns lugares, a redução era apenas uma promoção relâmpago. Seis postos situados em Taguatinga, Águas Claras, Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA) e Asa Sul vendiam o litro da gasolina a menos de R$ 4.
O desconto nas bombas foi reflexo da redução de 0,45% anunciada pela Petrobras nas refinarias. Ainda assim, não animou os motoristas, eles aguardam por novo reajuste a qualquer momento.
Lucro minguado
As empresas Uber e Cabify repassam 75% do valor da corrida aos motoristas. Já a 99, transfere 80% aos condutores parceiros. Noel Aguiar, 58, buscava uma vida mais tranquila quando decidiu largar a profissão de caminhoneiro e virar motorista de aplicativos. Até o início de 2017, ele conseguia recursos suficientes para pagar a prestação do veículo e manter as despesas da casa. Após levar sete multas e ver o preço nas bombas disparar, Aguiar prepara o terreno para voltar ao antigo ofício.
“Já fiz testes em duas empresas para voltar a trabalhar como carreteiro. Deixei de ser caminhoneiro porque passava muito tempo longe da família, mas, agora, não está compensando ficar na Uber. Rodo 10 horas por dia e praticamente só consigo ganhar o suficiente para encher o tanque e pagar as multas”, desabafa.
Parcerias
O Metrópoles solicitou às três empresas a quantidade de motoristas que se descredenciou dos aplicativos em 2017 e 2018, mas nenhuma respondeu. Em nota, a 99 informou trabalhar para amenizar os custos dos motoristas “por meio de parcerias estratégicas, incluindo oficinas mecânicas e locais de lavagem de carro”.
Já a Cabify disse estar atenta ao impacto gerado em toda a cadeia de mobilidade em função dos sucessivos reajustes da gasolina. Garantiu ainda estudos que possibilitam adequar “os valores das viagens à realidade de cada cidade”. O app destacou o auxílio da tecnologia empregada para identificar passageiros mais próximos dos veículos, a fim de “reduzir o tempo de deslocamento ao cliente, custos e impactos ambientais”.
A Uber respondeu que adota iniciativas para maximizar os ganhos dos motoristas parceiros. Como exemplo, disponibilizar, no próprio aplicativo e em tempo real, as regiões com alta demanda de carros, onde a tarifa dinâmica é ativada, possibilitando aos condutores aumentar o faturamento. “Também compartilhamos semanalmente os dias e horários com mais procura, para facilitar o planejamento dos motoristas parceiros que quiserem gerar mais renda”, informou.
“Política nefasta”
Para José Carneiro, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), a alteração recorrente na política de preços da Petrobras prejudica não só os motoristas de aplicativos, mas toda a cadeia produtiva da mobilidade urbana.
“É impossível um motorista de Uber organizar sua vida financeira, pois ele não tem a menor ideia de como o preço do combustível vai se comportar. O mesmo ocorre com quem faz frete. O trabalhador assina um contrato com antecipação prevendo nos custos um valor médio do combustível, mas, no dia de realizar o serviço, o diesel ou a gasolina já apresentaram variação substancial”, exemplificou o docente.
José Carneiro fez ainda duras críticas à política de preços da Petrobras. “A instabilidade é tão nefasta quanto a inflação, pois bagunça o planejamento das pessoas e das empresas. E isso é péssimo para a economia”, dispara.
Idade dos veículos
Além da gasolina, outros fatores têm desanimado os condutores de veículos de transporte de passageiros por meio de aplicativos para smartphones: a idade dos carros. Hoje, os automóveis cadastrados na Uber, Cabify e 99 não podem ter mais que cinco anos. No entanto, projeto que tramita na Câmara Legislativa aumenta para oito anos esse tempo.
Depois das mudanças em São Paulo, o Distrito Federal também pode aderir à medida. A proposta, de autoria do deputado Israel Batista (PV), está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e o assunto foi discutido em audiência pública na segunda-feira (12).
Em janeiro, um acordo firmado entre as empresas e a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte (SMT) da cidade de São Paulo possibilita que motoristas cadastrados em serviços de transporte por aplicativos usem, a partir de 6 de julho de 2018, carros com até sete anos e meio de fabricação. Antes dessa data, a exigência de cinco anos se mantém.