A frase de Ivan Lessa sobre os brasileiros esquecerem a cada 15 anos o que aconteceu nos últimos 15 anos não se aplica a mim. De 15 em 15 anos, só esqueço o que aconteceu nos primeiros 13 anos. Por isso mesmo, lembro que o PT não queria de jeito algum o impeachment de Jair Bolsonaro, por considerá-lo o adversário ideal na eleição presidencial. Como não estou aqui para ganhar campeonato de popularidade, digo tranquilamente, então, que a culpa pelo espetáculo deprimente protagonizado por lunáticos bolsonaristas na frente de quartéis, bem como as arruaças verificadas ontem em Brasília são também do PT e da sua visão utilitarista da democracia. A outra parcela de culpa é do Centrão e da sua visão financista do regime democrático. (Sim, em vários momentos o utilitarismo de um se combina ao financismo do outro.) Jair Bolsonaro foi bastante conveniente para todo mundo, inclusive para soltar Lula, mas essa é outra história.
Isso não significa justificar baderna nenhuma. Queimar carros e ônibus, aterrorizar cidadãos, atacar prédios públicos — tais atos são inaceitáveis, venham de onde vierem: da direita, da esquerda ou do muito pelo contrário. Aliás, seria bom prender logo os arruaceiros. Até o momento em que escrevo este artigo, a polícia ainda não havia colocado ninguém em cana. Ora, se um índio bolsonarista foi preso por incitar apenas no gogó as pessoas contra a democracia brasileira e os seus democratas, a prisão dos baderneiros precisaria ser prioridade.
Sobre o quadro geral, está cada vez mais claro que nenhum dos lados quer a pacificação do país. Na diplomação de Lula no TSE, episódio curioso em que o presidente do tribunal falou mais do que o diplomado, Lula jogou no campo do autoritarismo 58,2 milhões de brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro, como escrevi ontem. Não é discurso de quem pretende apaziguar os ânimos e governar para todos os cidadãos. A cerimônia de diplomação de um eleito à Presidência da República também não deveria ser palco para que coadjuvante se tornasse protagonista e disparasse ameaças. À sobriedade que a ocasião normalmente exige, soma-se a necessidade de ter prudência neste momento — que não deve ser confundida com medo, mas incluída igualmente na esfera da temperança. A força de uma democracia é proporcional à serenidade com a qual ela é conduzida pelos indivíduos que representam as instituições.
O penúltimo comentário deste colunista é sobre o presidente eleito ter ido festejar a diplomação na casa de um notório advogado criminalista, integrante daquele clube do vinho e do charuto que luta bravamente pelo Estado de Direito. Com a eleição de Lula, comprou-se o pacote inteiro, é só o que tenho dizer. A minha última observação é a respeito dos três ministros do STF que compareceram à festa do advogado criminalista com ações no tribunal. Não viram nisso nenhum problema. Estão convencidos de que a sua imparcialidade paira muito acima dos eflúvios magníficos de qualquer Bordeaux.