As Eleições 2020 quebraram uma barreira importante. Pela primeira vez, nas urnas de 25 estados, ao menos 281 candidatos transgêneros postulantes aos cargos de prefeitos e vereadores concorrem usando o nome social.
Segundo levantamento feito pelo (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles, com base nos números do Tribunal Superior Eleitoral e no relatório da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra), a maior parte (145) está vinculada a partidos de esquerda. No entanto, 106 (38,5%) vão concorrer por siglas de direita e o restante (30) por partidos de centro.
A divisão das siglas por espectro político é a mesma utilizada na pesquisa da associação. Aqui, vale uma observação: os partidos brasileiros não têm consistência ideológica, com poucas exceções, o que torna os critérios de classificação passíveis de contestações variadas.
O Partido Social Liberal (PSL), que elegeu o presidente Jair Bolsonaro — hoje, sem partido –, tem sete representantes. Em nota, o PSL defendeu as candidaturas LGBTQIA+ pela sigla. “Tratamos todos os filiados de maneira igual, independentemente das opções pessoais de cada um. E espera, cada vez mais, ter em seus quadros, pessoas que representem a pluralidade da sociedade brasileira.”
No Progressistas (PP), a sigla que o presidente da República passou quase a metade de seus 28 anos como deputado federal, são 11. O Partido Social Cristão (PSC) também tem 5. “O PSC não discrimina, não segrega e não exclui ninguém. A representatividade de diversos grupos da sociedade, refletida nas candidaturas, fortalece a democracia”, assegurou a sigla, em nota.
Veja gráfico:
A técnica de enfermagem Ranney Mendes, 28, é uma das candidatas trans que concorrem a cargos eletivos por partidos de direita. Candidata pelo Partido Social Democrático (PSD), ela mora em Riacho dos Machados (MG) e, este ano, está concorrendo, pela primeira vez, a um dos cargos de vereadora da cidade.
“Diante da minha trajetória, conhecendo a realidade de muitas trans, escolhi entrar na política. Durante essa luta, me filiei a um partido de direita, ou seja, um partido que tem suas próprias ideologias políticas, mas foi onde recebi uma oportunidade”, disse.
“Nesse partido, ainda encontro muitos homens com ideologias bolsonaristas que, inicialmente, me trataram com preconceito, mas hoje respeitam as minhas pautas políticas, que são, sim, voltadas para a comunidade LGBTQIA+. Me sobressaio com maturidade e respeito”, continuou.
Representatividade é, da mesma forma, a principal pauta de Julia Aguilera, filiada ao Partido Progressista, e candidata a vereadora de Prata (MG). “Fui convidada por uma pessoa de dentro da sigla que, desde o princípio, me deixou claro o respeito e a importância de todo tipo de voz”, explicou a recém-chegada à política. “Não sofro nenhuma resistência, nem do partido e nem da comunidade. Nós, trans, temos outras preocupações que ideologias partidárias.”
Segundo Ranney e Julia, um dos maiores medos era enfrentar o preconceito por parte do eleitorado. Nenhuma das duas, no entanto, tem o que reclamar. “Nosso maior receio é se ressocializar, mas os tempos estão mudando, as pessoas estão mudando. Até o momento, não recebi nenhum tipo de ofensa ou indiferença com os eleitores. Só tenho a agradecer”, disse Julia.
Para a Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra), a pauta progressista, que defende os direitos humanos, deve ser o foco dos postulantes. “Compreendemos a complexidade do jogo político, inclusive das coligações que são constituídas nos mais diferentes municípios com as colorações partidárias de cada coligação e compreendemos essa lógica mesmo sabendo das contradições partidárias pelas pautas e bandeiras que defendem. Logo, o nosso partido são as pessoas trans”, escreveu, em relatório publicado.
Quem são e onde estão?
Das 281 candidaturas mapeadas pelo Brasil, 255 são de travestis e mulheres trans. As candidaturas de homens trans somam 16; dez têm outras identidades trans. O número é 209% maior do que em 2016, quando foram 89 candidaturas e 8 pessoas eleitas.
Na disputa, duas são para prefeitura e uma para vice-prefeitura. É o caso de Brenda Santunioni e Letícia Lanz (PSol), que concorrem às prefeituras de Viçosa (MG) e Curitiba (PR), respectivamente, e Rafael Ensinas, vice de Horácio Neto (PSOL), em São Caetano do Sul (SP). O restante pretende ocupar cadeiras nas Câmaras Legislativas municipais.
São Paulo é o estado com mais representantes: 117 candidaturas. Em segundo lugar, Minas Gerais, com 21. Para fechar o pódio, a Bahia, com 14.
Além do nome social, as candidatas transexuais vão poder usar as cotas destinadas às mulheres. Em 2018, o TSE confirmou que os partidos políticos deveriam reservar pelo menos 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral, para financiar as campanhas femininas no período.