O Ministério Público Federal (MPF) vai investigar sites de pornografia que lucram com fotos roubadas de mulheres e adolescentes, após denúncia revelada pela reportagem no domingo (12/6). Na esfera criminal, o órgão vai apurar a disseminação de imagens de pornografia infantil, crime que pode dar de 3 a 6 anos de prisão. Já na área cível, a Procuradoria estuda investigar crime de ofensa por discriminação de gênero.
A reportagem levou ao MPF os nomes de todos os sites e explicou como os proprietários ganham dinheiro com eles. No país, entre as 30 maiores páginas identificadas pelo Estado que não checam a procedência do conteúdo publicado, a audiência mensal chega a até 3,5 milhões de visualizações e pode render R$ 95 mil por ano para cada administrador.
“Vamos instaurar uma investigação tanto para apurar crime quanto para verificar essa ofensa à questão de gênero no cível. Para apurar crime, certamente vai ser aberta investigação para verificar os delitos de veiculação de pornografia infantil”, afirma a procuradora da República Fernanda Teixeira.
Ela explica que casos envolvendo pornografia adulta não podem ser apurados pelo MPF, uma vez que são crimes de caráter privado. Nessas situações, a pessoa ofendida tem de abrir uma ação penal por injúria e difamação.
“No cível, vamos instaurar um procedimento para apurar a violação à questão de gênero. Este é mais difícil e precisamos analisar melhor como enquadrar. Mas é como se existisse (nesses sites) um incentivo à discriminação de gênero. Isso não é crime, mas viola o interesse da sociedade”, explica a procuradora. Segundo Fernanda, os sites depreciam o gênero feminino ao descrever as mulheres nas fotos com xingamentos.
WhatsApp e Telegram
Dias antes de ser procurado pela reportagem, o MPF já havia recebido denúncias de fotos de nudez não autorizadas, incluindo de menores de idade, que estariam sendo veiculadas em grupos de aplicativos de conversa instantânea, como Telegram e WhatsApp.
Russo e sem sede no Brasil, o Telegram é o mais complicado para investigar. Os grupos são abertos e encontrados a partir de pesquisa por palavra-chave – não precisam de convite para entrar, como no WhatsApp, o que, segundo os investigadores, dificulta a apuração. “Quando não tem representação no Brasil é mais complicado. E também quando a empresa não se dispõe a conversar fica difícil”, diz a procuradora.
Segundo o professor de mídias digitais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Gil Giardelli, o Brasil está entre os três países do mundo que mais consomem pornografia, junto com Estados Unidos e Rússia, e é um dos que menos aplicam punições. “As regras são muito pesadas em outros países. Nos Estados Unidos, se aprontar demais a CIA bate na sua porta. Aqui as ações ainda são poucas e pontuais. O Brasil é conhecido por ser o que mais faz ataques cibernéticos.”
De acordo com Giardelli, a impunidade, atrelada ao lucro, estimula novas adesões. “Existe um conceito que se chama colapso da ética. Quando todo mundo sente que está impune, cada dia mais vai ter mais gente fazendo. É o conceito de rede. ‘Estou ganhando R$ 90 mil por ano sem sair de casa’. Mais pessoas vão começar a fazer isso.”
Desgaste
Colegas de classe de uma universitária de 19 anos sabem bem o que é impunidade. Há dois anos, quando ainda estava na escola e era menor de idade, eles acessaram o celular da menina quando ela saiu da sala por alguns minutos e roubaram fotos íntimas.
Ela mandava os “nudes” para o namorado e as imagens estavam salvas no telefone. Os colegas espalharam as fotos em aplicativos de bate-papo e em sites. A jovem disse que não denunciou os garotos para evitar desgaste. Ela teve apoio da mãe, que não brigou, mas aconselhou a estudante a ter mais cuidado. “Costumo apagar agora, mas continuo mandando ‘nudes’. Tomo mais cuidado com quem pode pegar meu celular. Não dá para confiar em ninguém.”